A Real Fábrica de Gelo: história do complexo pré-industrial

«Quando o silo grande estava cheio de gelo,
era o silo do lado que estava cheio de moedas de ouro.»
 
Há notícia da Real Fábrica de Gelo desde pelo menos 1747, quando os sócios João Rose e Pedro Fracalanza solicitam ao rei concessão para abastecimento e comercialização de neve em Lisboa. Decidem então construir na Serra de Montejunto esta unidade pré-industrial, tomando partido das condições climatéricas únicas e da vantajosa proximidade da capital. O que hoje se vê da fábrica é somente uma parte da sua área total em plena laboração, a qual se estendeu ao longo de mais de cem anos. No ano de 1782, o complexo ganhou novo fôlego, já nas mãos de Julião Pereira de Castro, neveiro-mor da Casa Real e responsável pelo aumento e modernização das instalações. Sabe-se, por exemplo, que havia outra zona de tanques de congelação, desaparecidos aquando da construção das instalações militares vizinhas, já em meados do século XX. Os trabalhos da Real Fábrica de Gelo cessaram definitivamente em 1885. Em 1930, a propriedade acabou por ser expropriada por utilidade pública, e a fábrica permaneceu esquecida durante décadas.
 
Fazer gelo era uma tarefa árdua, concentrada entre os meses de setembro e fevereiro. O «caramelo» formava-se nos tanques durante as glaciais noites serranas. Era então que o guarda da fábrica descia a cavalo até à aldeia de Pragança, e tocava uma corneta que acordava os homens que subiriam a serra, a pé, para dar início aos trabalhos: partir e retirar as pesadas placas de gelo dos tanques, transportá-las às costas, em cestas, ladeira acima até ao edifício dos silos, onde eram armazenadas, aí permanecendo até junho, começo da época estival. Todo o processo tinha de ficar concluído antes de o sol nascer. Os homens de Pragança dormiam atentos ao alerta da corneta, porque na fábrica só havia trabalho para aqueles que chegassem primeiro. A comunidade da serra precisava desta fonte de rendimentos, tal como a nobreza e a alta sociedade lisboeta precisavam de gelo para se refrescar no Verão. O «ouro branco», muito procurado pelas elites, era de comercialização apetecível e contribuiu para o desenvolvimento económico-social da Serra de Montejunto.

Planta de um sistema de produção de gelo situado numa fábrica que se supõe ser a da Serra de Montejunto (s/d). Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, Brasil.

Vista aérea da Quinta da Serra, na Serra de Montejunto (fotografia de 10 de dezembro de 1952). Instituto Geográfico Português.


Esboço que mostra as duas fases distintas de construção dos tanques de congelação: a laranja, a fase 1; a azul, fase 2, posterior.

Planta do complexo da Fábrica de Gelo da Serra de Montejunto, mostrando os poços de extração e respetivo engenho (a laranja); o depósito e os tanques de congelação (a azul); o circuito do gelo extraído até chegar aos silos de armazenamento (a verde); o ponto de partida para a distribuição do gelo (a vermelho).