O Paço Real no Circuito do Gelo
«No Terreiro do Paço há uma extensa ponte-cais com escadas. Na Alfândega veem-se cais e escadas. […] Em frente ao Paço Real da Ribeira há também cais e escadas. Segue-se o estaleiro das naus, e para baixo uma doca reentrante, guarnecida de muros de cais; mas aberta pela frente, e sem molhe que a feche do lado do Tejo.»
[Adolfo Loureiro, Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, 1906]
A partir do século XVII, há uma crescente valorização do gelo na Europa, fosse para refrescos, bebidas nevadas e sorvetes, fosse para uso medicinal. A Real Fábrica de Gelo de Montejunto acompanhou esta transformação nos hábitos de consumo em Portugal, tendo sido construída justamente para suprir as dificuldades de abastecimento regular de gelo à Casa Real e à cidade de Lisboa. Em Portugal, durante mais de cem anos, o gelo foi privilégio quase exclusivo da Corte e a ela se destinava boa parte da produção da Real Fábrica. Esta preciosidade descia a Serra de Montejunto no começo da época estival, chegava à Vala do Carregado, era transferida para os «barcos da neve», atravessava o Tejo e aportava no Terreiro do Paço. No fim desta longa viagem de doze horas, o gelo era prontamente encaminhado para o armazém da Casa da Neve (que entretanto se tornou o icónico Café Martinho da Arcada) e, daí, para o Paço Real. Aliás, D. José I emitiu um alvará régio que dava prioridade ao desembarque do gelo em caso de excesso de tráfego fluvial no rio.